Furúnculo é infecção cutânea, circunscrita a um folículo pilossebáceo, causada por estafilococo e que se apresenta sob a forma de carnicão no centro da área inflamada. Ocorre supuração com grande acúmulo de neutrófilos e destruição do pelo e da glândula sebácea, geralmente com formação de cicatriz. É comum em adultos jovens e afeta a pele de pescoço, face, axilas e nádegas.
Clinicamente, o furúnculo mostra-se como nódulo eritematoso, doloroso e quente – o aspecto clássico da inflamação aguda, descrita no primeiro século da nossa era pelo romano Aurelius Cornelius Celsus, misto de médico e escritor: “notae vero inflammationis sunt quattuor: rubor et tumor, cum calore et dolore”. (Os sinais verdadeiros da inflamação são quatro: rubor e tumor, com calor e dor).
Posteriormente, foi acrescentado um quinto: functio laesa, isto é, alteração funcional da parte afetada. O Houaiss (Dicionário da Língua Portuguesa) traz explicação clara: Etim. lat. Furunculus,i propriamente “ladroeiro, broto secundário da videira que se desenvolve a expensas dos ramos principais, furtando-lhes a seiva; como, no momento em que nasce esse broto, a videira apresenta um botão, deu-se, por analogia, o mesmo nome a um “botão infeccioso” de pele (furunculus: literalmente, ladrãozinho, diminutivo de fur, furis: ladrão; ingl. a little thief).
A sinonímia popular do furúnculo é rica e inclui “bichoca, bichoco, cabeça-de-prego, frunco, fruncho, frúnculo, leicenço, nascida, nascido”. O termo antraz refere-se a um conjunto de furúnculos (anthrax, cis “terra vermelha”, gr. “antraks, akos” “carvão, carbúnculo”), apresentando-se como área eritematosa, edemaciada, sobre a qual surgem múltiplos focos de drenagem de exsudato purulento.
Ainda relacionada ao furúnculo há a rara síndrome hiper-IgE (hiperimunoglobulinemia IgE), na qual ocorrem infecções recorrentes, incluindo abscessos na pele por estafilococos (S. aureus). Davis et al., em relato científico sobre pacientes com hiper-IgE, criaram a expressão síndrome de Jó,* baseando-se no personagem bíblico que, castigado, resistiu, com grande paciência e coragem, a uma grave “furunculose crônica e recidivante da cabeça aos pés”.
A taxa de mortalidade na síndrome de Jó é alta devido a infecções sistêmicas associadas, embora Jó, o homem da Bíblia, antes muito rico e posteriormente miserável, tenha vivido até os 140 anos. O Senhor, observando sua retidão e fidelidade, devolveu-lhe todos os bens em dobro e permitiu-lhe nova mulher e filhos. Livrou-o também dos abscessos. Inativou a venenosa Ig-E, injetou-lhe imunoglobulinas de boa qualidade e corrigiu o defeito da quimiotaxia de seus neutrófilos.
* Davis SD, Schaller J, Wedgwood RJ. Job’s syndrome: recurrent
“cold” staphylococcal abscesses. Lancet, 1966: 1013-15
Fonte: Jornal da SBD Ano 17 n.1 / Coluna Analogias em Medicina, por José de Souza Andrade Filho
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